Sequencia de Corpus Christi - A mais bela Síntese de Poesia, Canto e Doutrina Eucarística
Duas composições antagônicas para uma mesma Festa Litúrgica ? Entenda:
Ao nos aproximarmos da solenidade de Corpus Christi, vem-nos à mente a importância desta grande Festa e a grande estima da Igreja por tudo aquilo que serve para ornar o Santo Sacrifício da Missa.
No ano de 1264, pela bula "Transiturus de hoc mundo", o papa Urbano IV instituiu a festa de Corpus Christi; nesse mesmo ano convocou uma seleção de mestres em teologia para que compusessem o Ofício para a festa, bem como o Próprio da Missa. Entre os convocados estavam São Boaventura e São Tomás de Aquino, dois dos maiores expoentes da Igreja naquele momento, seja pela inteligência e pureza de doutrina, seja pelas virtudes que praticavam.[1]
Santo Tomás foi o primeiro a expor os textos compostos, iniciando pela sequência Lauda Sion Salvatorem. Após a recitação da sequência, São Boaventura rasgou suas composições, e em seguida todos os demais presentes imitaram-no. A composição de Santo Tomás, um primor de beleza literária e pureza doutrinal, foi rezada, cantada e meditada durante séculos por todos os católicos, infundindo em clérigos e fiéis a certeza da presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo sob as espécies do pão e do vinho. [2]
Antes de tecermos alguns comentários sobre o canto litúrgico, um dos principais elementos embelezadores da liturgia, citaremos Pio XII na encíclica Mediator Dei: “Todo o conjunto do culto que a Igreja rende a Deus deve ser interno e externo. É externo porque o exige a natureza do homem composto de corpo e alma; porque Deus dispõe que "pelo conhecimento das coisas visíveis sejamos atraídos ao amor das invisíveis"[3]
Prefácio da Natividade); porque tudo o que vem da alma é naturalmente expresso pelos sentidos; e ainda porque o culto divino pertence não somente ao particular mas também à coletividade humana e consequentemente é necessário que seja social, o que é impossível, no âmbito religioso, sem vínculos e manifestações exteriores; e, enfim, porque é um meio que põe particularmente em evidência a unidade do corpo místico, acrescenta-lhe santos entusiasmos, consolida-lhe as forças, intensifica-lhe a ação. [4]
Vasto Conteúdo Doutrinário da Sequencia - Lauda Sion
A sequência composta por Santo Tomás expressa em seu texto um vasto conteúdo doutrinário e devocional. Toda a análise exposta neste artigo foi extraída do excelente trabalho do músico Thiago Plaça Teixeira, autor da dissertação intitulada “Música e Beleza em São Tomás de Aquino” [5].
A sequência Lauda Sion Salvatorem está estrutura do seguinte modo [6]:
I - Os versos 1 a 15 ordenam-se ao louvor do Santíssimo Sacramento;
II - Nos versos 16 a 30 demonstra-se por que razão sua instituição é comemorada;
III - Nos versos 31 a 62 há um detalhamento da doutrina católica sobre o Santíssimo Sacramento;
IV - Com os versos 63 a 70 mostra-se o cumprimento das diversas figuras do Antigo testamento;
V - Por fim, com os versos 71 a 80, pede-se a Cristo que nos alimente, nos guarde e nos torne participantes do banquete Eterno. Com relação à estrutura métrica presente nos versos temos o seguinte o esquema [7]:
Versos | Métrica |
1 – 5 | 8-8-7 |
6 | 10-10-7 |
7 | 8-8-7 |
8 | 7-7-7 |
9 – 18 | 8-8-7 |
19 – 22 | 8-8-8-7 |
23 – 24 | 8-8-8-8-7 |
Tabela 1 - Estrutura métrica da sequência Lauda Sion Salvatorem
A partir da análise do conteúdo e da estrutura métrica da sequência Lauda Sion Salvatorem, chega-se a algumas conclusões:
O conteúdo doutrinário está organizado de modo bastante conveniente ao entendimento daquele que o acessa pois responde de modo ordenado às principais questões que envolvem a Eucaristia: o que ela é, porque deve ser adorada e sua relação com as figuras do Antigo Testamento. Adicionalmente temos a exposição da doutrina católica sobre o tema e súplicas a Jesus, o Bom Pastor das almas.
Além de as palavras escolhidas expressarem o conteúdo doutrinal e devocional desejado, há inúmeras relações de semelhança ao longo dos versos, demonstrando um esforço de Santo Tomás para que a composição também expressasse uma ordem interna consoante suas próprias conclusões acerca do conceito de beleza. Tais relações de semelhança se dão em termos de duração temporal e de intensidade, através do número de sílabas e da repetição dos padrões de acentuação, respectivamente.
Conforme exposto na Tabela 1, há um certo padrão no número de sílabas, de versos e de rimas, que repetem-se praticamente ao longo de toda a peça, somente ocorrendo alterações propositais desse padrão em momentos específicos. Para justificar essa afirmação podemos citar como exemplo o que ocorre na estrofe 6, quando há um aumento no número de sílabas dos versos (10-10-7) e uma mudança na direção melódica até então predominante. Nessa estrofe há uma referência direta à festa de Corpus Christi: Dies enim solémnis ágitur, in qua mensae prima recólitur, hujus institútio (É hoje a solene festa, que nos recorda o que atesta a sagrada instituição). Em vista disso fica patente o motivo dessas mudanças, que é realçar a importância do verso e dar-lhe um tom mais solene - expresso aí principalmente pelas notas mais graves.
Com relação ao aspecto melódico temos ainda outras considerações, entre as quais:
Utilização de intervalos consonantes (4a justa, 5a justa e 8a justa), em especial nos saltos ascendentes, nos pontos de conclusão das frases e nas passagens entre a última nota de uma estrofe para a primeira da estrofe seguinte.
Semelhança e repetição de alguns motivos musicais, contribuindo para uma fácil identificação das recorrências existentes. Exemplo: intervalo de tom inteiro em todos os finais de estrofe (Fá-Sol ou Lá-Sol).
Síntese teológica, em forma de poesia
Aquilo que Santo Tomás ensinou em seus tratados de Teologia a respeito da Sagrada Eucaristia, ele o expôs magistralmente em forma de poesia no Lauda Sion.
Trata-se de verdadeira obra de literatura, que brilha pela profundidade do conteúdo e pela beleza da forma, elevação da doutrina, acurada precisão teológica e intensidade do sentimento. O ritmo flui de modo suave, até mesmo nas estrofes mais didáticas. A melodia – cujo autor é desconhecido – combina belamente com o texto.
A unção é inesgotável. São Tomás se revela como filósofo e místico, como teólogo da mente e do coração, realizando sua própria exortação: “Seja o louvor pleno, retumbante, alegre e cheio do brilhante júbilo da alma“.
Referências
[1] Transiturus de hoc mundo https://www.vatican.va/content/urbanus-iv/es/documents/bulla-transiturus-de-mundo-11-aug-1264.html
[2]Sequencia de Corpus Christi - Canto Sacro, Beleza e Conteúdo Doutrinário
[3] [4] Pio XII. Encíclica “Mediator - http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_20111947_mediator-dei_po.html - 19th and early 20th centuries. McFarland. 2009.
[5] Teixeira, Thiago Plaça. Música e Beleza em São Tomás de Aquino. Universidade Federal do Paraná. 2012.
[6] http://www.newadvent.org/cathen/09036b.htm. Acessado em 01 de junho de 2015 às 18:50.
[7] Liber Usualis, 1961, Sequência Lauda Sion Salvatorem, p. 945-949.
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