A "Sequência de Ouro": Veni Sancte Spiritus
Com esta Solenidade de Pentecostes encerramos o Tempo Pascal, aqueles cinquenta dias que a Igreja celebra como se fosse um só dia, santo e glorioso, o Dia da Ressurreição. Pois bem: é o Senhor ressuscitado, pleno do Espírito Santo que o Pai derramou sobre ele, que hoje nos doa o seu Espírito. Nunca esqueçamos: o dom do Espírito é o fruto excelente e principal da Páscoa de Cristo: é no Espírito que nossos pecados são perdoados, é no Espírito que o fruto da paixão e morte de Cristo nos é dado, é no Espírito que somos transfigurados à imagem de Cristo Jesus.
Sem o Espírito, de nada valeria para nós tudo quando Jesus por nós disse e fez! Se hoje, na primeira leitura, o Espírito aparece agindo de modo tão vistoso e barulhento no Cenáculo de Jerusalém (como a tempestade, o terremoto e a erupção vulcânica descritos no Sinai – cf. Ex 19,3-20), é para que nós compreendamos que ele age em nós constantemente, discreto e suave, como a brisa que passou diante de Moisés e Elias, fazendo-os encontrar a Deus! Eis, portanto: o Espírito é dado pelo Cristo ressuscitado, que o soprou sobre a Igreja no próprio Dia da Ressurreição – como escutamos no Evangelho de hoje -, e continua a soprá-lo sobre nós, no sinal visível da água no sacramento do Batismo e do óleo, na santa Crisma. No Cenáculo, no dia mesmo da Páscoa, os Apóstolos foram batizados no Espírito e tornaram-se cristãos; do mesmo modo, no nosso Batismo, banhados pela água, símbolo do Espírito, nós também recebemos em nós o Espírito de Cristo e nos tornamos cristãos, templos do Santo Espírito, chamados a viver uma vida segundo o Espírito de Cristo.
Por isso, o conselho de São Paulo: “Procedei segundo o Espírito e não satisfareis os desejos da carne”. O cristão, caríssimos, vivendo no Espírito desde o Batismo, já não vive mais segundo a carne, isto é, segundo a mentalidade deste mundo, segundo o pecado. Agora, ele é impulsionado pelo Espírito de Cristo, crescendo cada vez mais nos sentimentos do Senhor Jesus. Isto é a obra do Espírito, que nos vai cristificando, dando testemunho de Cristo em nós (cf. Jo 15,26), conduzindo cada um de nós e a Igreja inteira à plena verdade de Cristo (cf. Jo 16,13). Portanto, é somente porque somos sustentados pelo Espírito, que podemos crer com toda certeza que Jesus está vivo e é Senhor e que Deus, o Pai de Jesus, é também nosso Pai, porque nos deu o Espírito do Filho, que nos faz filhos (cf. Rm 8,16). [1]
E para bem ilustrar o que celebramos hoje, façamos uma reflexão e análise da Sequência do Veni Sancte Spiritus, chamado de SEQVENTIA AVREA - "Sequência de Ouro", que é cantada na Missa desde Pentecostes até o sábado seguinte [na Forma Extraordinária] e é composta de dez estrofes da seguinte forma:
Veni, Sancte Spiritus,
Et emitte cælitus
Lucis tuæ radium.
Possiveis Autores:
Alguns hinologistas juntam em uma duas destas estrofes, sem dúvida para completar o esquema rítmico da terceira linha, como no caso de "Lauda Sion" [Sequência da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo] e "Stabat Mater" [Sequência da Solenidade de Nossa Senhora das Dores]. A característica peculiar do "Veni Sancte Spiritus", todavia, é a persistência, no decorrer hino, na mesma conclusão rítmica em 'ium' em todas as estrofes, uma característica imitada na tradução de Dr. Neale (no "Manual de Orações de Baltimore").
Veni, Sancte Spiritus, conhecida como Sequência Áurea, é comumente considerada uma das maiores obras-primas da poesia sacra latina já escrita. Sua beleza e profundidade foram elogiadas por muitos. O hino foi atribuído a três autores diferentes, o Rei Roberto II da França (970-1031), o Papa Inocêncio III (1161-1216) e Stephen Langton (+1228), Arcebispo de Canterbury, dos quais o último é o mais provavelmente o autor.
De fato, Dean Trench e outros estudiososo insistem atribuir a autoria da sequência a Roberto II, que reinou na França de 997-1031.
A Sequência, de fato, foi achada em manuscritos dos séc. XI e XII, mas escrita por uma mão posterior, e a conclusão que se tira é que data de algum tempo nos meados do séc. XII. Assim, a sua auotira é atribuida também a Stephen Langton (cf.), monge cisterciense inglês, que viveu por volta de 1210.
Por fim a autoria da Sequencia também é atribuida a Inocêncio III, conforme Ekkehard V em sua obra "Vita S. Notkeri", escrito por volta de 1220. Ekkehard, um monge de Saint Gall, diz que seu abade, Ulrich, foi mandado a Roma por Frederico II. Este conversou com o papa sobre vários assuntos, e esteve presente na Missa do Espírito Santo celebrada com a presença do Santo Padre.
A Sequência da Missa de que se tinha conhecimento era denominada "Sancti Spiritus adsit nobis gratia". Nesse ponto Ekkehard observa (o que ele provavelmente aprendeu do próprio Abade Ulrich, quando retornou a Saint Gall) que o próprio papa "compôs uma Sequência do Espírito Santo, chamada "Veni Sancte Spiritus". A Sequência mais antiga cedeu, embora gradativamente, à sua rival, que era quase universalmente prescrita para um ou mais dias da Oitava.
O Missal revisado de 1570 finalmente assinalou-a para o Domingo de Pentecostes e sua Oitava. A revisão (1634) sob Urbano VIII deixou-a inalterada. Com um bom estilo de escritores medievais, a "Sequência Áurea" ganhou estima universal. As razões para isto são dadas por Clichtoveus, que a considera "acima de todos os louvores", por conta de sua maravilhosa doçura, clareza de estilo, agradável concisão combinada com uma riqueza de pensamento (de modo que cada linha é uma sentença), e finalmente a graça e a elegância construtivas, mostradas na hábil e adequada justaposição de pensamentos contrários. [2]
Letra:
Veni, Sancte Spiritus,
et emítte cælitus
lucis tuæ radium.
Veni, pater pauperum,
veni, dator munerum
veni, lumen cordium.
Consolator optime,
dulcis hospes animæ,
dulce refrigerium.
In labore requies,
in æstu temperies
in fletu solatium.
O lux beatissima,
reple cordis intima
tuorum fidelium.
Sine tuo numine,
nihil est in homine,
nihil est innoxium.
Lava quod est sordidum,
riga quod est aridum,
sana quod est saucium.
Flecte quod est rigidum,
fove quod est frigidum,
rege quod est devium.
Da tuis fidelibus,
in te confidentibus,
sacrum septenarium.
Da virtutis meritum,
da salutis exitum,
da perenne gaudium,
Amen, Alleluia.
Tradução livre:
Vinde, Santo Espírito,
e enviai dos céus
um raio de vossa luz.
Vinde, pai dos pobre,
vinde, doador dos dons,
vinde, luz dos corações.
Consolador magnífico,
doce hóspede da alma,
doce refrigério.
No labor descanso,
no calor aragem,
no pranto consolo.
Ó luz beatíssima,
enchei o íntimo dos corações
dos vossos fiéis.
Sem vosso auxílio
nada há no homem,
nada de inocente.
Lavai o que está sujo,
regai o que está seco,
curai o que está enfermo.
Dobrai o que é rígido,
aquecei o que está frio,
conduzi o que está errante.
Dai aos vossos fiéis,
que confiam em vós,
os sete dons sagrados.
Dai o mérito da virtude,
dai o êxito da salvação,
dai a perene alegria.
Amém. Aleluia.
[1] Fonte: Trecho da Homilia: D. Henrique Soares da Costa (in memoriam) https://presbiteros.org.br/homilia-de-d-henrique-soares-da-costa-pentecostes-ano-b/
[2] Fonte: Henry, Hugh. "Veni Sancte Spiritus Et Emitte Coelitus." The Catholic Encyclopedia. Vol. 15. New York: Robert Appleton Company, 1912. 12 Jun. 2011
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