Santo Agostinho e a Arte Musical
Como as reflexões de Santo Agostinho podem contribuir para a arte musical
Santo Agostinho era músico? Não. Mas tendo uma obra vasta e sendo um dos pilares do pensamento cristão ocidental, Santo Agostinho deixou reflexões aqui e ali sobre a arte musical produzida no seu tempo em especial, em Milão. Também é fundamental lembrar que Agostinho converteu-se a partir do encontro com Santo Ambrósio, bispo a quem se atribui a promoção do canto antifonal, um estilo no qual um lado do coro responde de forma alternada ao canto do outro, e também a composição do Veni redemptor gentium.
O livro de Agostinho, chamado “De Música”, versa de aspectos técnicos da música como ritmo, tempo, métrica etc.
No último capítulo desse trabalho, Agostinho relaciona à música aspectos espirituais. O músico, na concepção agostiniana, era um organizador da linguagem sonora, elaborador de signos, um escultor de sua própria imagem sonora interior, um veículo da voz do silêncio, morador de sua alma. Essas imagens podem definir bem a relação de valor que foi estabelecida por Santo Agostinho no fim de seu tratado, vigorosamente influenciado pelo Cristianismo: “o homem como um corpo ligado à alma em busca da eternidade” – nos diz Rita de Cássia Fucci Amato no ensaio “A Música em Santo Agostinho”, na Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.
O que Santo Agostinho teria a dizer ao músico católico?
O que ele poderia dizer ao músico que serve por meio da música nas Missas dominicais, nos grupos de oração e nas mais diversas pastorais? Podemos destacar seis valores fundamentais em Agostinho, os quais podem ser essenciais também para a espiritualidade do músico católico:
1 – Interioridade
“Não te dirijas para fora, volta para dentro de ti mesmo, porque no homem interior habita a verdade; e se descobrires que tua natureza é mutável, transcende-te também a ti mesmo” (Santo Agostinho, uera rel. 39, 72).
Todo músico experimenta a tentação da dispersão e da superficialidade. O músico que expressa e quer levar o povo a expressar sua espiritualidade, muitas vezes no desejo de servir, deixa de olhar para dentro – de onde nasce toda inspiração. Cultivar a interioridade ajuda o músico a estar afinado ao diapasão do seu coração, lugar onde Deus mora e nos fala.
2 – Verdade
“A voz da verdade não se cala, não clama pelos lábios, mas vocifera do interior do coração” (Santo Agostinho, en. Ps. 57, 2).
A busca da verdade, a ser conhecida e experimentada, deve estar no centro das atenções do músico. A verdade que clama em nossos corações deve sustentar e orientar todo fazer musical. A verdade deve ser cantada por nós e, principalmente, cantada por meio de nós.
3 – Liberdade
A autêntica liberdade é viver “não como servos submetidos à lei, mas como pessoas livres, constituídas sob a graça” (Santo Agostinho, reg. 8, 1).
A espiritualidade do músico cristão precisa construir e ser construída para a verdadeira liberdade. A música deve ser libertadora para que possamos dar-nos inteiramente a Deus e aos irmãos.
4 – Amizade
“Era para mim mais doce amar e ser amado” (Santo Agostinho, Conf. 3,1,1).
A amizade em Santo Agostinho é expressão do amor de Deus, construída para além das afinidades pessoais e ambições individuais. Só então podemos ser verdadeiramente “uma só alma e um só coração”.
5 – Comunidade
“A caridade […] assim se entende: que antepõe as coisas comuns às próprias, e não as próprias às comuns” (Santo Agostinho, reg. 5, 2).
Essa comunidade se estabelece no Amor, que não mede nem tem medida. A comunidade formada no amor exclui competição, vaidade, inveja e intriga. É marcante a inscrição no refeitório onde Agostinho e seus irmãos se reuniam: “Não há lugar nesta mesa para quem gosta de criticar os outros”.
6 – Justiça Solidária
“Tu dás pão a quem tem fome, mas melhor seria que ninguém passasse fome, e a ninguém desses. Vestes o que está nu. Aprouvesse ao céu que todos estivessem vestidos e que essa necessidade não se fizesse sentir!” (Santo Agostinho, ep. Io. tr. 8, 5).
A arte alimenta a alma e o espírito, mas também faz pensar e lança luzes sobre as nossas realidades sociais. A arte cristã nunca pode ser alienada ou alienadora. Todo sentido do fazer artístico cristão deve ser revolucionário no sentido da construção de um mundo mais justo e fraterno. Portanto, o músico cristão deve, de certa maneira, converter-se em sua própria música e obra de arte.
A verdadeira espiritualidade do músico é aquela em que o músico se torna ao mesmo tempo cantor, voz e canção. Para que em tudo seja Deus glorificado!
Créditos: Augusto Cezar, Músico e compositor católico, escritor de 3 livros, professor e palestrante.
www.augustocezarcornelius.com.br
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